segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Chorar


Ouve o tempo em que decidimos ir para o litoral caminhando. Uma longa e cansativa viagem, aproximadamente 120 kilometros. Pois que estávamos entre quatro amigos, e depois de algum tempo na estrada decidimos que já era hora de parar e preparar algo para comer. Nos embrenhamos em uma mata ao lado da rodovia e começamos os preparativos para o fogo e tudo mais. Era um dia cinzento e estávamos em algum ponto da cidade de Viamão. Haviam bambus por toda parte, o local era a parte de baixo de um barranco. Estava eu a catar lenha quando ouvi o grito:
"todo mundo com mão na cabeça."
Era a polícia, pude ver um deles escorregando pelo barranco com uma arma de grosso calibre na mão, o maldito uniforme cinza e as botas lustradas, soldadinhos de chumbo com coração de chumbo.Levaran-nos para cima, para o acostamento da rodovia. Ali fomos humilhados. Me lembro muito bem, havia um deles que era alto e gordo, com bochechas suínas, tinha um olhar de pedra e parecia que a qualquer momento iria nos espancar.
"O que vocês pensam que estão fazendo hen...andaram roubando por ai e estão se escondendo, seus vagabundos infelizes, aqui no meio do nada quem vai ver vocês hein.."
O policial com cara de suíno gritava e babava, eles estavam entre quatro também, porém esse era o mais exaltado.
"Seus monte de merda, agora quero ver o que vocês tem ai nessas mochilas fedorenta."
Do meu lado um dos meus amigos começou a chorar e dizia em vão que nós não tínhamos feito nada, o suíno me olhou percebendo que eu era o mais velho:
"E aí magrão, teu amigo ta chorando..."
Viraram tudo no chão: cuecas, camisas, escova de dentes.Tocaram fora toda nossa bebida. Foi quando o suíno revirou minhas coisas e achou três livros: Antologia dos poetas de São Borja, Textos anarquistas, e Traçando nova Iorque de Luís Fernando Verríssimo. Parecia um animal olhando para algo que não entende, naquele momento me senti maior.
Um policial mais velho desceu da caminhonete e se aproximou, olhou meus documentos.
"Gosta de poemas então são borjense."
Saquei na hora, aquele coroa era de patente superior ao suíno e a todos eles, me lembro exactamente do que ele nos disse:
"Vocês estam horríveis, o ser humano esta no topo, essa vida que vocês levam não leva a nada..."
Foram embora. Prometeram que se nos encontrassem de novo iriam nos recolher. Isso nunca aconteceu.
Quando seguimos viagem olhei para meu amigo que tinha chorado, jurei que nunca isso iria acontecer comigo.



Quando chegamos a praia de Tramandaí a impressão que tive era que nos odiavam. Nós não fazíamos o mau, éramos apenas hipies fora de época. Nesse dia fomos detidos duas vezes, sem motivo aparente. Nos ficharam, fotografaram, examinaram. Alegaram "perturbação da tranquilidade."
Quando saímos da delegacia era madrugada alta, seguimos para o mar.
Em Tramandaí um pouco antes da próxima praia Imbé, existem algumas pedras que se estendem pela costa até o mar. Ali nos sentamos, naquela noite consumimos solvente, senti o odor forte se espalhando no ar e minha mente se alterando.
Então eu chorei, chorei copiosamente.
Chorei pela nossa condição de malditos, pelo amor hipócrita, pela medíocre classe média, que simplesmente nos odeia por nós não nos importarmos com nada desse circo que eles tem. Chorei, e literalmente minhas lágrimas escorreram pelas pedras e se misturaram com a água do mar.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Entrevista de emprego


Uma das coisas mais chatas é entrevista de emprego.
As pessoas sempre tratam a gente com extrema impessoalidade, então aqui vai uma entrevista de emprego das minhas.

A agência de empregos ficava no centro de Porto Alegre, Rua dos Andradas número 300 e sei lá o que.
Me identifiquei na portaria depois dirigi-me ao elevador. Sexto andar. Saí por um corredor de paredes brancas e cheguei a uma porta de vidro, lá estava. Consultei o relógio:13:55. Perfeito,a entrevista estava marcada para as 14:00.

_Com licença eu tenho uma entrevista marcada com voces pras 14:00.

A atendente era loira com ohos verdes tão claros que pareciam uma gota de água do mar.

_Seu nome por favor senhor.
"Senhor!..."
_Everton Santos.
_A sim, está aqui, por favor siga por esse corredor e aguarde a chamada.
_obrigado.

Voltei-me para pegar minha pasta que tinha ficado na cadeira e pude ouvir outra pessoa falando com ela:

_Oi, boa tarde, tenho uma entrevista de emprego com voces marcada pras 14:00.

Segui por outro corredor de paredes impecavelmente brancas e cheguei num hambiente
com umas dez pessoas sentadas em cadeiras azuis, ali era a sala de espera.
Lá todos passavam o tempo do jeito que dava: lendo ou mexendo no celular, eu apenas
fiquei olhando para uma aranha perto da janela.
Depois de 50 minutos sem um movimento da aranha fui chamado.
Entrei por uma porta passando para uma pequena sala, ali sentei-me, enfrente estava
uma mulher de aproximadamente uns 40 anos, usava óculos e um terninho, me deu a impressão de uma pessoa séria. Eu estava certo.

_Senhor Everton Santos: boa tarde.
"Senhor!"
_Boa tarde.
_Então tem experiência em logística?
_Sim, um pouco.
_Disponibilidade de horários?
"Não gosto de trabalhar depois das 18:00..."
_Sim.
_Pretenção salarial?
"1.500 reais."
_600, era o que eu ganhava.
_Fumante?
"Maconha ou cigarro?"
_Sim.
_Nos diga o que espera da empresa que irá contrata-lo.
"dinheiro e plano de saúde."
_Espero boas condições de trabalho e opurtunidade de crescer.
_Nos diga o que a empresa pode esperar do senhor?
"Tem que esperar deitada."
_Pode esperar vontade e entusiasmo, responsabilidade e seriedade.
_Nos diga uma qualidade sua.
"Sei fazer um truque com moeda, ela some e reaparece."
_Sou organizado.
_Agora nos diga um defeito.
"Não consigo me concentrar olhando pro seu decote."
_Gostaria de ser mais estrovertido, eu sou muito sério no trabalho.(da onde eu tirei essa...)
_Tem conhecimentos em informática?
"Sei usar msn e orkut."
_Alguma coisa de editor de textos e tabelas.
_Então o senhor quer crescer na empresa?
"Só quero meu dinheiro."
_Sim.
_Muito bem senhor Everton, vou enviar seu currículo, fique atento ao telefone. Obrigado Por ter vindo.
"Até nunca mais."
_Eu que agradeço.

Pronto. Mais uma entrevista de emprego.
O sistema é assim mesmo: transforma pessoas em coisas.
Eu era apenas um produto para aquela agência, simplesmente estava lá para vender meu
corpo e mente, e estava barato. As pessoas não são máquinas, quando saí daquele prédio e ganhei as ruas novamente botei minhas mãos nos bolsos e senti o calor suave do sol acariciando minha face, imaginei a mulher da entrevista nua numa cama. Sim, ela é uma pessoa também de carne e sentimentos.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

A loucura


Ontem foi mais um dia de domingo que passei com meus amigos na praça central. Logo quando cheguei percebi a presença de uma pessoa especial na minha vida: meu amigo Xará.
Sim, esse é o apelido dele, pois ele é mais um Paulo nesse Brasil, mas, pra mim ele é o cara que resistiu do meu lado morando na rua, sobrevivendo e buscando a vida em tempos de conturbada descoberta interior. Naquela época o sofrimento, a fome, o frio, a violência policial, as drogas e a morte. Sentimos a ira e o desprezo da sociedade, por quem da vida tem apenas um espasmo retórico, flores e jardins, que a nós não pertencem.
Pois meu amigo nesse reencontro me contava que estivera internado num ospicio, numa ala dedicada a recuperação de dependentes quimicos. Até aí tudo bem, o problema foi quando ele me disse:"as cores da televisão alienando todos naquela sala...eu tenho rivais em toda parte que querem me destruir..."
O olhar era triste e tudo que falava eram metaforas malucas e as vezes desconexas.
Meu amigo tinha ficado louco!
Não consegui ter um diálogo linear com ele, e depois de duas horas ele simplesmente se levantou e foi embora sem se despedir.

O que de loucos e normais temos em nós?
Nossa rotina, nossa responsabilidade, nossas metas e objetivos, nossa educação e hipocrisia social, o bem estar de todos.
Quem são os loucos? drogados sequelados, malucos incostantes, pessoas a deriva na vida sendo levadas ao sabor do vento, pessoas que não medem as palavras e em tudo são como crianças que não escondem os desejos pelas coisas que gostam...
Talvez eu seja um pouco mais louco do que deveria...

sábado, 7 de novembro de 2009

Sexta feira a noite...Solidão.


Noite de sexta feira, decidi-me a não ficar morrendo em casa e resolvi dar uma volta no centro da cidade, nos bares. Bem, queria ver pessoas, movimento, quem sabe conhecer alguém ou encontrar amigos como eu, perdidos e entediados. Não se faz muito com cinco reais, então nada de cervejas, pedi um samba com um acréscimo na dose de cachaça. Ainda poderia tomar mais um apenas, fumar alguns cigarros e era isso aí. “Melhor que ficar em casa”. Sentei-me nas cadeiras que ficavam na parte de fora do boteco, ali podia ver o transito de pessoas na avenida central. Acendi um cigarro, claro, fazendo aquele charme com o fósforo, dei uma grande tragada e fiz uma bela nuvem de fumaça. Chegou o samba, legal, tinha uma rodela de limão, um cubo de gelo e realmente estava bem carregado na cachaça. Não avistei nenhum conhecido mais chegado, então fiquei na minha. Resolvi fazer algo que a muito estava com vontade: abri um livro. Sempre quis fazer esse tipo intelectual bêbado e sinistro. O livro era de filosofia, Niestzche como sempre. Me apareceu uma palavra que eu não sabia o significado, tenho a mania de anotar esse tipo de coisa, para mais tarde buscar no dicionário. Puxei minha já gasta caneta bic e um esparadrapo, fiz a anotação. Havia um casal a minha frente, atrás algumas garotas comendo batatas fritas, do meu lado esquerdo dois caras conversavam sobre trabalho. Pareciam felizes, todos estavam felizes. Eu não sabia quanto a mim.
Ouvi alguém sussurrar:”ele ta sozinho”.
É, eu estava sozinho, já faziam uns quarenta minutos, me sentia dono de algo precioso e triste, melancólico e suave numa noite quente de primavera. No passado já tive medo da solidão, hoje nada tão dramático a respeito me vem na cabeça, apenas me parece como uma certeza, que a solidão assim como o silêncio nunca duram pra sempre. Aquelas pessoas ficaram sensibilizadas comigo, como se eu estivesse num estado não natural, como alguém que pena no limbo até chegar ao prometido céu...
Eu sou um diabo do inferno eu acho.