sábado, 23 de janeiro de 2010

20.000 milhas


Sem querer ouve um estrondo em minha mente
E numa viagem astral por um momento fui transportado para fora de meu corpo
Então por fora de meu mundinho pude ver tudo claro

Depois de viajar 20.000 milhas deixando o homem que um dia eu fui
Compreendi a vida e sua simbiose caótica e crua...

Pensando nas pessoas que deixei pra trás amei cada momento do meu passado
E senti o futuro, perplexo numa existência atemporal

Quem sou, se não o homem?
O mesmo homem histórico em sua passagem pela terra

Eu, andando pelas ruas de Viena, ou sentado em uma praça em Moscou
Senti o frio do inverno e a dureza da guerra
E com os ossos e a carne, toda a magnitude da dor e do desespero.
Respirei os ares da mudança, me afogando no mar de gente da metrópole...

Por um instante, em uma entrega patética, observei-me
Incrédulo e curvado perante a existência cósmica

Sem querer ouve um estrondo em minha mente
E minha vida e a tua não eram tristes
Nesse breve instante eu fui a consciência dos homens

E agora mais 20.000 milhas são meu caminho...

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Reflexão anarquista


Em campos abertos as planícies verdes se estendem, e não terminam com a limitação de nossa visão, continuam em nossas mentes em sonhos inefáveis de um futuro que nos aguarda.
Assim eu pensava naquela tarde...
Como pode um homem ser pleno se não através da libertação da mente?
Que prisão, que muros podem haver quando nossa concepção do mundo se torna nossa, e não um esboço da mente de algum pregador da verdade?

Que Deus pode haver no céu, quando o milagre se projeta de dentro pra fora?

"Agora que somos livres e podemos voar o céu já não nos pertence."

Damos asas a imaginação, esperança ao coração.
Assim se aproxima a era sonhada por antigos e novos filósofos:
A era do homem e sua superação.
A libertação das amarras e grilhões do pensar, a queda de antigas crenças, a derrubada de antigos mitos.
O jovem anarquista é um sonhador, e a quimera desse sonho não é para todos, apenas para os que buscam a plenitude de si mesmos.

domingo, 3 de janeiro de 2010

O velho capitão


A meia hora de caminhada do vilarejo de Santa Helena, ficava o antigo cemitério.
Já fora de uso a duas gerações, guardava em seu fúnebre leito os restos dos que um dia foram os fundadores do vilarejo.
Suas lápides encardidas, vasos e cruzes, tudo ali lembrava abandono e solidão.
Foi nesse lugar que encontrei o fantasma do capitão pela primeira vez.

Naquele tempo a energia da juventude e sua inconsequecia tinham me levado a caminhos tortuosos. Procurei o antigo cemitério numa de minhas fugas das surras de meu pai.
Nesse dia o sol ardia furioso, e uma brisa morna soprava levemente. Encostado a um velho túmulo eu comia laranjas e pensava em como voltar pra casa. Então o velho capitão apareceu...

Trajava uma velha farda azul e botas pretas. Usava barba e chapéu. Tinha uma voz forte e grave. Suas primeiras palavras foram:

_O que fazes tão longe de casa guri?Onde estão teus pais?
_Eu...Eu estou comendo laranjas...
_Não sabes que é perigoso uma criança por ai sozinha?
_Eu não tenho medo.
_Pois deveria, a maldade humana é imprevisivel.

E assim o velho foi embora. Incrível que logo na primeira vez já me ocorreu a ideia de que o capitão era uma alma penada.
Na outra semana voltei, mas dessa vez, o que me levou foi apenas a curiosidade. Então pela segunda vez vi o capitão, que desta vez estava ajoelhado em frente a uma grande cruz que ficava no centro do cemitério. Não chamei sua atenção. fiquei apenas observando tudo. Como era triste aquela cena. Dali podia sentir toda frieza da solidão, e com o vento minuano veio o inevitável: o medo da morte.
Talvez o velho capitão nem soubesse que estava morto, talvez estivesse ainda em sua guerra, em sua revolução. Fiquei olhando para a cruz, então percebi que mais uma vez o fantasma tinha sumido.

Quando o inverno chegou e cobria toda manhã os campos de branco, eu já tinha me esquecido do cemitério. Então achei um velho jornal, e lá estava a foto do capitão:
"Aos heróis da revolução de 30..."
O velho fantasma era um herói!
E nesse mesmo dia voltei ao cemitério, e quando o capitão se aproximou mostrei o jornal e disse:
_Capitão, a guerra acabou.
_Eu já sabia meu filho, apenas não podia deixar toda minha terra pra trás. Vê tudo isso aqui? É meu, meu!
Senti pena. Mesmo sendo uma criança compreendi a lição que a vida me ensinava.
Compreendi como o apego iludia o fantasma.
Fui embora e prometi a mim mesmo nunca mais voltar.
E até hoje imagino o velho capitão solitário andando por suas terras.